O Deputado que falava japonês
Muito antes mesmo dos tempos modernos de hoje em que vemos o banheiro de uma residência transformado num lugar aprazível, com poltronas e televisão, o Deputado Saulo Diniz (PTB-MG) já tinha em sua residência, em Belo Horizonte, uma antessala ao banheiro, batizada de “jardim de inverno”, que servia ao parlamentar como local de estudo para elaboração de projetos legislativos, bem como sala de leitura, pois o deputado era um verdadeiro devorador de livros.
Como visionário e um estudioso em todos os assuntos com os quais lidava, o deputado percebeu que a Europa e demais continentes que tiveram participação na guerra necessitavam, para se reerguer, da utilização do minério de ferro. E sendo o estado de Minas Gerais o possuidor da maior reserva deste mineral no país, o deputado logo vislumbrou a necessidade de criar uma Usina Siderúrgica, em plena década de 50, objetivando trazer divisas para o estado e para o país.
Estatelado em uma das poltronas do seu ‘jardim de inverno’, o Deputado fecha um dos exemplares que tratava do assunto e, dirigindo-se a sua esposa, Maria da Conceição Sabino Diniz, irmã do escritor Fernando Sabino, solicita uma ligação para o seu amigo pessoal, o Governador Juscelino Kubitschek.
Pelo telefone, o deputado informa ao Governador que irá criar uma Siderúrgica na cidade de Ipatinga, que será denominada “Usina Siderúrgica de Minas Gerais – Usiminas”, alegando que o estado de Minas Gerais não poderia continuar sendo espoliado com a exploração do minério de ferro pelas empresas “Vale do Rio Doce”, “Companhia Siderúrgica Nacional” e pela “Cosipa”.
Eufórico com a notícia, o governador apenas alertou ao deputado que o governo dele estava findando e que ele iria enfrentar uma luta política acirrada com os paulistas e cariocas que lutavam pela hegemonia da siderurgia em seus estados. Contudo, conhecendo bem a ousadia, coragem, criatividade e inteligência do deputado, tinha certeza absoluta do sucesso do projeto Usiminas.
Assume o Governo do Estado de Minas Gerais o político José Francisco Bias Fortes e, com isso, tem início uma luta política para a concretização da criação da Usiminas.
O desconforto dos paulistas e cariocas ante a notícia da criação da siderúrgica motiva uma reunião em São Paulo, presidida pela Companhia Siderúrgica Nacional, com a proposta simplista de propor a participação da nova Usiminas no capital da Cosipa.
A reunião foi tão acirrada que o deputado percebeu que era necessário trazer os paulistas para suas fileiras e, por isso, os levou para um encontro com Juscelino Kubistschek, recém-eleito Presidente da República.
O encontro se deu no Palácio da Guanabara. A princípio, o Presidente Juscelino estranhou a presença de paulistas e mineiros unidos pelo mesmo objetivo, mas logo em seguida, percebeu que o deputado já havia conseguido o apoio dos paulistas.
Tomando a palavra, o General Alcides Vidigal lembrou ao Presidente que tinha lhe escrito uma carta, solicitando-lhe a sua nomeação para assumir a Presidência da Cosipa. Ao ouvir aquilo, o Deputado Saulo Diniz, que tinha suficiente intimidade como o Presidente, resolveu tomou partido do general, dizendo:
- Presidente, o senhor não pode tratar São Paulo desta forma. Afinal, o Dr. Plínio e o Dr. Uchôa fizeram um trabalho extraordinário!”
Ao que o Presidente respondeu:
- Saulo, você foi um dos articuladores mais importantes da minha campanha Presidencial e, portanto, você sabe que no Manifesto “Cinquenta Anos em Cinco” eu já tinha me pronunciado a favor, a respeito de um programa de Siderurgia. Quanto à nomeação do General para Presidência da Cosipa eu concordo e irei fazer a devida nomeação, mas autorizar subscrição de capital para uma empresa que ainda não existe, meu caro amigo, isso é impossível!
- Pois amanhã mesmo, Presidente, eu e esta comitiva aqui presente estaremos com o Governador Bias Fortes, apresentando o Estatuto da Usiminas, devidamente registrado na Junta Comercial, o que prova que a empresa existe. O normativo foi feito pelo nosso amigo aqui, Lídio Lunardi, que é Presidente da Associação Comercial de Minas Gerais. – respondeu o deputado, apresentando o amigo.
O encontro com o Governador Bias Fortes foi dos mais auspiciosos. A única exigência feita para a aprovação do projeto foi que o Governo do Estado recebesse do Japão uma comitiva para fazer uma explanação do “know-how” que a Usiminas iria adotar.
O deputado logo entendeu que aquilo se tratava de uma manobra política do Governador, para tirar ganhos do projeto. Mas isto não importava ao Deputado; o importante era a criação da Usiminas. Entretanto, como trazer uma comitiva do Japão, tendo o estado nipônico se voltado para dentro do país após a guerra? Era, de fato, uma missão impossível.
Foi quando o parlamentar teve a informação de que havia chegado na periferia de Belo Horizonte um grupo de agricultores japoneses, que mal conseguia pronunciar duas palavras em português. O Deputado não teve dúvidas! Mandou trazer os três agricultores da periferia, vestiu-os adequadamente, e constituiu, assim, a sua “comitiva japonesa”.
Para o encontro com o Governador Bias Fortes, o Deputado combinou com eles dois sinais que seriam feitos com as mãos. Um deles era para que eles conversassem em japonês sobre qualquer assunto; e o outro, para suspender a conversa, porque o deputado iria fazer o papel de “tradutor”. Diga-se de passagem que o parlamentar não sabia absolutamente nada de japonês, mas alertou-lhes que iria “grunhir” algo parecido com o idioma, como se os estivesse questionando a respeito da implantação da Usiminas.
Feito isso, a dita “comitiva” foi recebida no Palácio da Liberdade com o hasteamento das bandeiras do Japão e do Brasil, acompanhado pelos seus respectivos hinos.
Ao término do encontro no salão nobre, o Governador Bias Fortes dirigiu-se ao parlamentar, muito surpreso:
- Deputado, conheço todas as suas qualidades, mas que você falava japonês, isso eu não sabia. Confesso que o senhor me surpreendeu!
- Ora, Governador, o senhor nunca ouviu a máxima de que “todo comunista é poliglota”? Meu irmão Dimitrieff, que é comunista, me ensinou a dominar o japonês.
- É, Saulo, que diabo, não é? Esses comunistas são inteligentes mesmo!
Anos depois, desembarca em Belo Horizonte uma comitiva legitimamente japonesa, procedente da empresa Nippon Steel, trazendo todo o know-how necessário para a criação da Usiminas.
Que história deliciosa!!!! Muito obrigado por compartilhar esta pérola da política brasileira! Como fazem falta, os verdadeiros políticos comprometidos com o bem estar e futuro das gerações vindouras!!!!
ResponderExcluir