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sábado, 8 de dezembro de 2012

RECORDAR É VIVER! Por Petrônio Sobrinho - Caso II - Domingos Sabino Diniz



AMEI (ver) O DOMINGUINHOS.

Acho que foi em fevereiro ou março. Lembro-me que o carnaval já havia acontecido. E nesse lapso de esquecimento não me lembro o dia da semana. O ano, sim, 1980. A cidade, a histórica Diamantino, com seus mais de dois séculos e meio de existência, encravada bem no começo do médio-norte mato-grossense, nas proximidades das nascentes (são várias lagoas) do gigante rio Paraguai, que milhares de quilômetros abaixo, junto com o Paraná, formam o estuário do rio da Prata, tendo de um lado território argentino e do outro uruguaio.
O dia amanheceu com sol aberto e pra variar o calor era sufocante. A ressaca, cobrando os exageros e atestando a bebedeira na noite anterior, tornava o ambiente ainda mais hostil. Tudo isso embalava uma preguiça danada e o pedido para que o mundo acabasse em barranco para morrer escorado. Não sei bem os motivos, mas acho que também estava um pouco “deprê”.
Os companheiros Paulo Hummel e André Luiz haviam deixado Diamantino nos últimos dias. Retornaram a Brasília, passando por Cuiabá. Ficara sozinho. Aguardava uma substituição que teimava em não chegar.
Diamantino era uma cidade típica do interior brasileiro. Poucas oportunidades de trabalho. Diversão quase nenhuma. População pacata e hospitaleira. A igreja católica exercia forte influência no comportamento da sociedade local. Tudo começava a mudar. E como!
Havia gargalos que irritavam. Um deles era no setor de comunicação. Não tinha DDD. Ligação interurbana só no posto da TELEMAT, com filas enormes. Fazia-se a inscrição de manhã e, com sorte, a ligação era completada no final do dia ou começo da noite. Não havia pressa no cotidiano das pessoas naturais da localidade. Só os sulistas chegantes fugiam dessa rotina, moldados por uma cultura econômica mais competitiva e arraigada nos seus costumes de muito trabalhar.
A nova gente que chegava de longe, apressada, meio barulhenta, investidora em terras até então improdutivas, além de traços marcantes e querencianos, veio com o desejo de vencer. Dar certo na terra distante, apesar da mudança radical no clima, nas distâncias e condições viárias e outras determinantes carências. Era o momento ali vivenciado.
Sentado no “pequeno mezanino” do Hotel Kaiaby buscava coragem para subir a serra e assumir o trabalho do dia no armazém da Casemat, no distante bairro do “Novo Diamantino”, bem no início do platô sul-leste que forma a extensa e hoje produtiva Chapada dos Parecis, com seus inúmeros municípios que integram e fortalecem o cenário do agronegócio mato-grossense e brasileiro.
A antiga BR-364 ficava bem próxima e seguia sua direção noroeste, nos passos da linha telegráfica construída por Rondon, no começo do século passado, para alcançar Vilhena e depois Porto Velho, em Rondônia, disponibilizando caminho num mundo distante e pouco habitado. Era comum, depois da Sucuruina, o encontro com os índios Pareci e Nhambiquara, já pacificados e doidos para fazer negócios com os brancos “tão bonzinhos” que, aos magotes e vindos, majoritariamente, do sul do País, chegavam à região com uma fúria desbravadora e destruidora descomunal num desvairado processo de insensatez típica da falta de sabedoria.
Há dias não chovia e a poeira tomava conta da velha estrada de “chão batido” que, diariamente, utilizava para chegar ao posto de trabalho. O pó vermelho era tanto, bem fino, que parecia adentrar os poros e entranhar na massa corporal do vivente. E, ali pensativo, triste, acabrunhado e desfrutando do “conforto ressaqueano possível” ouvi um sonoro grito - “Sobrinhão” - que me tirou da letargia e da modorrenta preguiça que me enlaçava. Não estava sonhando. Era ele: o grande Dominguinhos, que chegava, como sempre alegre e de braços abertos, saudando com seu sorriso envolvente o amigo, até então, entristecido e apoquentado.
A alegria foi tanta que, ao me levantar, acabei jogando a cadeira que sentava ao chão e, óbvio, também me abalei para recepcionar, com a devida cortesia, o amigo que, finalmente, vinha me substituir. Começamos, logo a seguir, a acertar a “transição de poder”. É naquela época já tinha a tal “transição governamental”, tão comum nos dias atuais, só que com bajulação de um lado e temor do outro. Não era o nosso caso.
Concluída a “transferência de poder”, fui apresentando o Dominguinhos aos técnicos do serviço de extensão, do agente financeiro, da armazenadora e da classificação, do sindicato rural e do sindicato dos trabalhadores rurais. Este presidido pelo Aparício, um afro-descendente disposto, educado, risonho e que manobrava para fundar o PT no município. Ele ainda está vivo, mas, certamente, “morto de raiva” pelas coisas esquisitas que hoje acontecem nas hostes estreladas. Da mesma forma, o entreguei à companhia de um jovem amigo que fizera: o paranaense Gastão, lá “exilado” por imposição familiar.
Ele gerenciava, morando num trailer, os serviços de abertura da fazenda Lagoa do Cervo, plantando arroz. Era também expansivo, alegre, bom de garfo e bem chegado numa “loira gelada”. Dias depois, veio a falecer, vitimado por um infarto fulminante. E ao Dominguinhos coube a difícil e penosa tarefa de enfrentar a burocracia e a precariedade das comunicações para cientificar a família e prestar auxilio para trasladar o corpo do amigo para Ponta Grossa-PR.
Esse gesto de grandeza e solidariedade do Dominguinhos me foi contado por pessoas diamantinenses, minhas conhecidas, que enalteceram o seu comportamento, a sua desenvoltura e preocupação diante de um fato triste e lamentável. E, de certa forma inusitado, pois decorrente de uma amizade recém iniciada. Porém, sob todos os ângulos, uma atitude altamente cristã e humanitária.
Recepcionado, com as devidas e merecidas honras, deixei o Dominguinhos atualizado do lastro operacional do front da “grande Diamantino”. Senti, então, que era a minha vez de partir da velha cidade. Não aguardei os vôos da Mecom e nem da Guará, poucos assíduos e infrequentes, quase sempre por falta de vaga.  Peguei carona no carro do bispo Dom Henrique Froehlich, e, na sua singular companhia, aportei na capital mato-grossense, fugindo do Estevão Camolesi (Supervisor Técnico da AGMAT) que me pedia para acompanhá-lo num prolongado raid pelo médio-norte e vale do Arinos.
Na quente Cuiabá de outrora – e hoje mais quente ainda – reportei ao De Lamônica o andamento da operação de compras. Alertando-o, entre outras coisas, que o armazém da Casemat, a armazenadora do Estado, dispunha, até ali, de razoável espaço para estocagem, mas, que deveria ser totalmente ocupado até a conclusão do período de compras. Depois, a “guerra” era outra: remover o estoque. Para onde?
 Após tantas peripécias e bom conhecimento da região, passei ao Dominguinhos a incumbência de ser o novo “xerife” da imensa e carente “nação diamantinense” que, entre outras localidades, era constituída por Nova Mutum, Brasnorte (a mais de 300 km da sede municipal), Lucas do Rio Verde, Deciolândia, São José do Rio Claro, Alto Paraguai, Nortelândia, Arenápolis, Santo Afonso, Nova Marilândia e Campo Novo do Parecis (à época apenas um vilarejo em surgimento). Com exceção de Deciolândia, ainda distrito, as demais são emancipadas e municípios com destacada participação no agronegócio estadual e nacional.
E assim, o Dominguinhos, com seu bom humor, disposição, contagiante alegria e enorme facilidade de comunicação deu andamento aos trabalhos. Tornou-se figura querida na cidade.  A sua “gestão”, como não poderia deixar de ser, foi coroada de pleno êxito. Por isso, e principalmente por ele, essa despretensiosa e monoangular história merece ser contada e conhecida por todos os amigos e colegas da ex-CFP.
Antes de retornar só me restou desejar-lhe boa sorte e em seguida me mandar!  Assim foi feito. Parti. E depois retornei diversas vezes. Fiquei em Mato Grosso.
                              
                                      Petrônio Sobrinho

(que mesmo sem procuração do Ivan De Lamônica, mas, também em nome dele, reafirmo e estendo agradecimentos a todos àqueles que estiveram em Mato Grosso vivenciando o nascer da maior fronteira agrícola do Brasil, hoje consolidada, reconhecida nacionalmente e assombrando o mundo com a produção de variadas comodities).




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